Mãe Símbolo de 2009, 180 anos da cidade de Amparo

Se tivesse que definir minha mãe em uma música, o faria em Tente Outra Vez, de Raul Seixas.

“Não diga que a canção está perdida, tenha fé em Deus tenha fé na Vida, tente outra vez(…) recomece (…)  E não diga Que a vitória está perdida, se é de batalhas, que se vive a vida. Tente outra vez!…

Tudo teve início em 23 de setembro de 1946, na cidade de Amparo, quando nasceu Marlene Teixeira Roque.

Décima quarta dentre os quinze filhos do casal José Teixeira Roque e Alzira Alves Roque (mãe símbolo em 1979, na comemoração dos 150 anos da cidade de Amparo).

Sua história é um exemplo de vida para muitos. A vida lhe deu muitos tombos, tantos motivos para desistir, mas a cada queda mesmo as mais profundas, para ela era motivo de recomeço, de se tornar a cada segundo uma mulher de mais e mais fibra.

Estudou até, hoje equivalente, a 8ª série, no Liceu.

Desde muito cedo trabalhou para ajudar no sustento de sua extensa família (17 pessoas). Aos 10 anos era empregada doméstica.

Aos 11 anos apesar de sua inteligência repetiu a 5ª série por não enxergar e tinha vergonha de dizer.

Aos 13 anos sofreu um dos maiores golpes de sua vida, quando perdeu sua irmã Darcy de 16, vítima de leucemia (em 1960), que na época não tinha os recursos de hoje, inclusive de diagnóstico. Começou sentindo dores de cabeça e em 27 dias veio a falecer, uma fase extremamente difícil para a família.

Em 1968 uma cunhada faleceu e ela ficou por 3 anos cuidando de sua sobrinha, muito nova, que tinha vários problemas de saúde.

Em 1970 outra cunhada falece, deixando filhos muito pequenos, e lá estava novamente nossa guerreira com mais dois sobrinhos morando em sua casa, durante longo tempo.

Ao todo moraram sob os cuidados de nossa mãe, entre sobrinhos e agregados, 12 pessoas.

Aos 16 anos começou a trabalhar por conta com roupinhas de linha e lã para bebês, o que fez ao longo de 34 anos.

Casou-se aos 23 anos, em 1969, com nosso pai, Claudine Gallo.

Mãe de 4 filhas, planejadas, pois sabia que se tivesse essa quantia poderia ter a chance de dar melhores condições de um futuro próspero para cada uma delas, visto que na época as coisas eram muito difíceis, principalmente para ela que teve origem humilde. Este futuro que ela almejava, foi o qual não pode ter, reservou então para as suas filhas: Kátia, Kelli, Karin e Karine respectivamente com 38, 33, 31 e 25 anos.

Acordava todos os dias às 2h para poder dar conta de todo o serviço de casa, cuidar das crianças, para poder sair antes do nascer do Sol com seu carro velhinho, a caminho dos sítios da região para pegar bordados e posteriormente luvinhas, sapatinhos e outras roupinhas de bebê de suas tricoteiras.

Com esse ofício estimamos que deu emprego a muita gente, que fazia o serviço terceirizado.

Até hoje somos abordadas na rua por pessoas que falam de nossa mãe, que agradecem a oportunidade de ter trabalhado para ela, numa época que era muito difícil.

Quando minha mãe estava grávida da terceira filha não podia trabalhar, pois a gravidez era de elevado risco, por conta de diversos infortúnios como por exemplo:
A casa que estava construindo sozinha não ficava pronta e precisava desocupar a que morava pois não conseguia pagar o aluguel.. Minha irmã nasceu de 7 meses, pesando muito pouco e chegou a ser desenganada pelos médicos.

Como já mencionado, minha mãe, nunca enxergou bem. Chegou a ter 20 graus em uma vista e 23 em outra de miopia e, além disso, catarata.

Foi quando em 1990 sofreu um descolamento de retina quando estava descongelando um freezer.

Mesmo após vários procedimentos cirúrgicos, nos quais a família gastou tudo o que tinha, não houve como reverter o quadro. Ficou cega do olho direito, e do esquerdo enxergando somente 30%.

Isso tudo ocorreu pouco menos de um ano após a perda de nossa vó materna, após longos 4 anos e 4 meses sem sair da cama com uma perna amputada, precisando amputar a outra, e não falava muito, pois teve um AVC. Os dois eventos acumulados em tão pouco tempo foram os maiores baques de sua vida.

Na época teve apoio de irmãos e vizinhos, pois nosso pai, infelizmente, não se preocupava com a situação, e minha mãe não tinha o auxilio de quem mais precisava. Esses três fatos geraram uma profunda depressão, que posso dizer de certa forma, existem seqüelas físicas e emocionais até hoje, por mais que ela tente disfarçar. Lembro que minhas tias traziam alguns alimentos para ajudar em casa, eu tinha 6 anos, minha mãe não podia cozinhar, eu fazia queijo derretido e levava pra ela na cama. Lembro dela chorando o tempo todo e não entendia o porquê. Nessa época minha irmã mais velha, meu apoio pra todas as horas, e praticamente uma segunda mãe, estava longe de casa, fazendo faculdade em Araraquara.

Desde então ela precisa usar ininterruptamente um colírio muito caro, pois senão corre o risco de ficar cega do olho que enxerga.

Depois de tudo isso ainda perdeu a casa que havia construído, com todo o esforço de uma vida inteira.
Por volta de 1997 minha mãe foi diagnosticada como portadora de uma doença chamada Distúrbio Afetivo Bipolar.

Em 1998 meu pai teve um derrame, acompanhado de várias paradas cardíacas. Ficou na cama por vários meses, usando fraldas, sem conseguir falar, com seqüela na fala e em alguns movimentos do corpo. Mais uma fase difícil que nossa mãe enfrentou, além de suas limitações, tinha as de nosso pai. Mesmo assim não perdemos a esperança. Ele fez fisioterapia e fono por vários anos e conseguiu uma boa recuperação. Hoje não entendemos tudo o que ele fala, mas comparado ao que foi, está ótimo.

Nossa mãe nunca parou de trabalhar, quando parou com a confecção, para completar seu orçamento familiar (uma aposentadoria de menos de um salário mínimo) começou a fazer doces.
Atualmente faz bombons, bolos, tortas, truffas, etc. Mesmo com o pouco que enxerga.

Sempre trabalhou duro, não só para manter a casa mas também pra poder dar a oportunidade que não pode ter para as suas amadas filhas.

Viveu e vive por elas, abdicou de muitas coisas por nós. Desde um bife que deixava de comer até coisas para seu próprio bem-estar.

Conseguiu, sob muito esforço, formar as 4. Ela foi a única de sua extensa família a fazer isso, ela sempre pediu a Deus para que não a levasse enquanto isso não estivesse feito.

Três de suas filhas fizeram faculdade estadual, UNESP, e uma particular, UNIP. Hoje ela pode dizer, com muito orgulho, que tem como filhas uma Dentista, Bióloga, Advogada e uma Comunicadora Social.

Jamais me esquecerei do dia 25 de Março de 2006, quando me formei. Foi o sonho realizado dela, vendo a última filha formada. Os olhos cheios de lágrimas, a emoção que não conseguia conter, as mãos trêmulas, a satisfação em seu sorriso que dizia: cumpri a minha missão.

Costumava brigar com a minha mãe pois achava que ela era muito boba, pois por mais que as pessoas dessem mil motivos para que ela virasse as costas ela dava apenas um para estender as suas mãos.

Ainda brigo com ela, pois não gosto de vê-la sofrer, mas vejo que isso mostra que ela tem um coração super cristalino que não vê maldade em ninguém, vê a todos com bons olhos.

Ela tira dela pra dar pros outros é incapaz de negar qualquer coisa pra quem quer que seja, tem um coração de ouro

Nossos amigos, no bom sentido, falam que morrem de inveja da gente. Por termos uma mãe do jeito que temos, que conversa sobre todos os assuntos, é compreensiva, amiga, mãe, irmã, companheira, cúmplice e com seu jeito todo especial de demonstrar seu carinho, mas que está sempre lá para o que der e vier. Todos são unânimes: queríamos ter uma mãe igual a sua, ela é nossa segunda mãe.

Por mais que as pessoas possam achar que tudo está perdido essa carta é nossa contribuição contando a história de nossa mãe que mostra a nos, a todos que a conhece e a todos que possam vir a ler, que há sempre uma luz no fim do túnel por mais que seja tão difícil de enxergá-la.
Sempre temos que lutar e deixar a nossa marca por aqui, nessa vida que é tão curta, mas que pode nos trazer a felicidade nas pequenas coisas. Como um sorriso, por exemplo.

É este sorriso que gostaria de ver estampado em seus lábios se soubesse que foi mãe símbolo.

Por tudo que ela fez e representa a nós e a todos que tiveram oportunidade de aprender com ela, seria esta uma pequena demonstração do quão insubstituível, inesquecível e inexplicável é essa mulher.

Queria muito, no dia da comemoração poder reunir todos os seus 10 irmãos ainda vivos, cunhados, sobrinhos (que são unânimes em dizer que ela é a tia predileta), as filhas,o genro, seus dois netos, esposo e amigos.

E fazer a homenagem que sempre sonhamos.

Se minha vó foi Mãe Símbolo nos 150 anos de Amparo, por que minha mãe não poderia ser nos 180, não é mesmo?

Um dos sonhos de nossa mãe sempre foi ser Mão Símbolo, ela conta com o maior orgulho como foi a premiação da nossa avó, que todos os filhos estavam presentes, o quão emocionada minha avó ficou, seus olhos enchem de lágrimas. A semana passada ela estava comentando que tinha a esperança de honrar este título 30 anos após sua mãe.

Ela não sabe que estamos mandando essa carta, desde o ano passado eu queria fazê-lo mas fiquei receosa. Sou funcionária da Associação Comercial há quase dois anos, mas acho que isso não faz com que eu perca o mérito de poder inscrever minha mãe. O ano passado eu falei que iria inscreve-la, ela ficou esperando, mas acabei não fazendo. Esse ano ela veio toda feliz pra mim brincando “eu que vou ser mãe símbolo esse ano, né?”. Aí, então, me veio à cabeça de estar arriscando em mandar essa carta, sem ela saber. Contei que por eu ser funcionária da ACE não posso estar participando. Acho que eu e minhas irmãs estamos mais ansiosas que ela.

Deus deu a oportunidade de Marlene Teixeira Roque Gallo, semear muitas sementes maravilhosas e agora é a época de colher tudo de melhor que fez durante esta longa jornada, pois ela é uma guerreira e Deus abriu e iluminou todas as janelas e portas de sua vida.

Como comecei a carta com uma música vou terminar com outra que me veio a cabeça agora depois de tudo que escrevi “E nossa história não estará pelo avesso assim sem final feliz, teremos coisas bonitas pra contar. E até lá vamos viver, temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás, apenas começamos, o mundo começa agora, apenas começamos”.

 

Mãe: Marlene Teixeira Roque Gallo 

Eu, Karine Gallo assino por:

 

Pai: Claudine Gallo

Filhas: Kátia Cristina Gallo Menegasso

Kelli Cristina Gallo

Karin Cristina Gallo

Karine Cristina Gallo

12 Filhos agregados

Netos: Pedro Vinícius Gallo Menegasso

Giulia Menegasso

Genro: Pedro Eduardo Menegasso

10 irmãos ainda vivos

10 cunhados

34 sobrinhos

 

E por todas as pessoas que puderam um dia ter a oportunidade de conviver com minha mãe ou estar sob seus cuidados.